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Uso temporário de espaços como ferramenta de regeneração urbana

Por Claudio Bernardes, Folha de São Paulo. Áreas urbanas degradadas, em muitos casos com identidade histórica, são caracterizadas pelo abandono. Criar mecanismos que possibilitem a atribuição de novas funções, mesmo que temporárias, a esses locais esquecidos e menosprezados, pode significar um ponto de partida estratégico para a implantação de processos de regeneração urbana.

Com esse objetivo, e na busca por identificar estratégias operacionais que possam ser utilizadas para formular novas maneiras de interpretar espaços urbanos, um projeto europeu implementado em Roma, na Itália, procurou implantar atividades temporárias em espaços públicos, reativando várias áreas em desuso e envolvendo diretamente a comunidade local.

Essa experiência em Roma faz parte de um projeto europeu mais amplo, denominado Tutur (Temporary Uses as a Tool for Urban Regeneration), que significa uso temporário como ferramenta para regeneração urbana.

A pesquisadora Rossana Galdini, do departamento de Ciências Econômicas e Sociais da Universidade Sapienza, em Roma, explica que existem várias razões para as práticas de usos temporários se tornarem cada vez mais comuns. Isso inclui a recente crise econômica e a consequente necessidade de estratégias de reciclagem e reutilização; as preocupações sobre preservação do patrimônio arquitetônico; os recursos limitados e a conscientização, cada vez maior, da importância do desenvolvimento sustentável.

Projeto de ocupação temporária da rua para disposição de mesas e restaurantes, feito pela Prefeitura de São Paulo, para o período da pandemia – Prefeitura de São Paulo/Divulgação.

Além disso, as mudanças tecnológicas e as incertezas no mercado de trabalho dão origem à inovação social, à criatividade, às novas tendências culturais e a uma série de práticas flexíveis e transitórias.

A área selecionada, localizada na região nordeste de Roma, é altamente povoada, com aproximadamente 250 mil habitantes, e caracterizada por instalações habitacionais e um sistema de infraestrutura desigual.

O projeto envolveu cidadãos, instituições e associações presentes naquela área. O principal objetivo do governo era formular novas políticas e ferramentas de planejamento para permitir o uso temporário de vazios urbanos, e integrar esses usos a um processo de regeneração urbana mais abrangente.

O projeto, que se desenvolveu durante 16 meses, lidou com três questões, em diferentes áreas do município.

A primeira foi o uso temporário ou intermediário enquanto se aguarda uma grande transformação em determinada área, como forma de agir antes da degradação. Como exemplo, a transformação do Viadotto dei Presidenti, uma obra abandonada há mais de dez anos, onde os espaços não utilizados foram transformados em ciclovia e trilha para pedestres, e as áreas negligenciadas sob o viaduto repensadas, revitalizando-as com atividades culturais e de lazer.

A segunda foi a utilização de instalações temporárias para criar um micro tecido urbano de serviços públicos de vizinhança, construindo uma rede de serviços locais em instalações abandonadas, com envolvimento da comunidade local.

A terceira foi a utilização de usos temporários para manutenção das áreas verdes e de preservação ambiental. Como exemplo, a revitalização do mercado Viale Adriaticoque teve como objetivo estimular a interação social, com foco na qualidade do meio ambiente e nos serviços para os cidadãos.

Essa experiência, que merece ser replicada em outras cidades pelas possibilidades que apresenta, segundo a pesquisadora italiana, promove novos modelos de governança com flexibilidade, estratégia e características institucionais e territoriais específicas; tira os cidadãos da posição de receptores passivos de serviços e os torna sujeitos ativos e promotores da ação coletiva; e reforça a ideia que o planejamento urbano é uma ferramenta apropriada para desencadear processos virtuosos de transformação, que também podem ser sustentáveis se estiverem baseados não apenas em recursos materiais, mas na capacidade de promover igualdade, mais justiça social e melhor qualidade de vida.


Claudio Bernardes
Engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo. Presidiu a entidade de 2012 a 2015.

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